Esclerose sistémica difusa com envolvimento pulmonar e crise renal: a propósito de um caso clínico raro
Palavras-chave:
crise renal de esclerodermia, hipertensão pulmonar, hiper-reninemia, microangiopatiaResumo
INTRODUÇÃO: A esclerose sistémica (ES) é uma doença imunológica de
etiologia desconhecida que se caracteriza por fibrose progressiva dos tecidos,
localizada ou difusa. O subtipo difuso e o tempo de evolução prolongado
associam-se a maior risco de envolvimento visceral, nomeadamente pulmonar
e renal. A hipertensão pulmonar (HTP) e crise renal de esclerodermia (CRE),
não sendo mutuamente exclusivas, são uma associação rara; ambas são
importantes causas de morte nestes doentes. A mortalidade na ES é quatro
vezes superior à da população geral, sendo maior nos primeiros 3 a 5 anos,
e a sobrevida aos 15 anos é de cerca de 50%.
A propósito de um caso clínico raro, os autores fazem uma breve revisão
do tema, sobretudo da fisiopatologia e da terapêutica.
CASO CLÍNICO: Apresentamos o caso de uma doente de 56 anos,
caucasiana, com ES difusa diagnosticada há 3,5 anos, medicada com vasodilatadores, sob anticoagulação oral (por tromboses venosas profundas de repetição) e sob corticoterapia (por alveolite fibrosante, motivo pelo qual foi
submetida a 13 pulsos de ciclofosfamida com resposta favorável).
Foi internada por febre, hipertensão arterial, edema periorbitário e deterioração da função renal. Foi diagnosticado derrame pleural bilateral, sem alveolite, e com características de transudado. Os ANA e anti-Scl-70 eram
positivos, com ANCA e anticorpos antifosfolípido negativos. Foi realizado
ecocardiograma, que revelou HTP e derrame pericárdico sem compromisso
hemodinâmico. Os rins eram ecograficamente normais. Foi medicada com
captopril, com melhoria do edema e controlo tensional, verificando-se, no
entanto, insuficiência renal rapidamente progressiva oligúrica, que motivou
a realização de biopsia renal e o início de hemodiálise (por uremia e sobrecarga hídrica). A biopsia renal mostrou alterações compatíveis com crise renal de esclerodermia. Manteve insuficiência renal diálise-dependente. Ao
29º dia de internamento iniciou quadro compatível com tromboembolismo
pulmonar, pelo que se instituiu heparina em perfusão; na sequência deste
quadro verificou-se paragem cardio-respiratória em assistolia, sem resposta às manobras de reanimação.
DISCUSSÃO: A CRE é mais frequente no subtipo difuso e associada
ao anti-Scl-70. Caracteriza-se pelo início abrupto de hipertensão grave
e insuficiência renal oligúrica rapidamente progressiva, geralmente com hiper-reninemia.
Pode acompanhar-se de anemia hemolítica microangiopática semelhante à síndrome hemolítico-urémica.
A terapêutica com inibidores do enzima de conversão da angiotensina
(IECA) melhorou a sobrevida e o prognóstico, reduziu a necessidade de diálise,
permitindo, em alguns casos, a suspensão da terapêutica dialítica.
A presença de polisserosite e de tromboses venosas profundas de repetição suscitou dúvidas sobre a coexistência de overlap syndrome / vasculite renal. A corticoterapia parece estar associada à precipitação de crise renal de esclerodermia.
A CRE tem sido descrita associada ao aparecimento de hipertensão
pulmonar concomitante. Alguns autores colocam a hipótese de haver uma
fisiopatolologia comum, nomeadamente a coexistência de microangiopatia
trombótica renal e pulmonar com disfunção miocárdica.
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