Esclerose sistémica difusa com envolvimento pulmonar e crise renal: a propósito de um caso clínico raro

Autores

  • João Matos-Costa Serviço de Medicina III, Hospital Distrital de Santarém
  • Sofia C. Jorge Serviço de Nefrologia e Transplantação, Hospital de Santa Maria, Lisboa
  • Jorge Barbas Serviço de Nefrologia e Transplantação, Hospital de Santa Maria, Lisboa
  • M. Martins Prata Serviço de Nefrologia e Transplantação, Hospital de Santa Maria, Lisboa
  • Nelson Rodrigues Serviço de Medicina III, Hospital Distrital de Santarém

Palavras-chave:

crise renal de esclerodermia, hipertensão pulmonar, hiper-reninemia, microangiopatia

Resumo

INTRODUÇÃO: A esclerose sistémica (ES) é uma doença imunológica de
etiologia desconhecida que se caracteriza por fibrose progressiva dos tecidos,
localizada ou difusa. O subtipo difuso e o tempo de evolução prolongado
associam-se a maior risco de envolvimento visceral, nomeadamente pulmonar
e renal. A hipertensão pulmonar (HTP) e crise renal de esclerodermia (CRE),
não sendo mutuamente exclusivas, são uma associação rara; ambas são
importantes causas de morte nestes doentes. A mortalidade na ES é quatro
vezes superior à da população geral, sendo maior nos primeiros 3 a 5 anos,
e a sobrevida aos 15 anos é de cerca de 50%.
A propósito de um caso clínico raro, os autores fazem uma breve revisão
do tema, sobretudo da fisiopatologia e da terapêutica.
CASO CLÍNICO: Apresentamos o caso de uma doente de 56 anos,
caucasiana, com ES difusa diagnosticada há 3,5 anos, medicada com vasodilatadores, sob anticoagulação oral (por tromboses venosas profundas de repetição) e sob corticoterapia (por alveolite fibrosante, motivo pelo qual foi
submetida a 13 pulsos de ciclofosfamida com resposta favorável).
Foi internada por febre, hipertensão arterial, edema periorbitário e deterioração da função renal. Foi diagnosticado derrame pleural bilateral, sem alveolite, e com características de transudado. Os ANA e anti-Scl-70 eram
positivos, com ANCA e anticorpos antifosfolípido negativos. Foi realizado
ecocardiograma, que revelou HTP e derrame pericárdico sem compromisso
hemodinâmico. Os rins eram ecograficamente normais. Foi medicada com
captopril, com melhoria do edema e controlo tensional, verificando-se, no
entanto, insuficiência renal rapidamente progressiva oligúrica, que motivou
a realização de biopsia renal e o início de hemodiálise (por uremia e sobrecarga hídrica). A biopsia renal mostrou alterações compatíveis com crise renal de esclerodermia. Manteve insuficiência renal diálise-dependente. Ao
29º dia de internamento iniciou quadro compatível com tromboembolismo
pulmonar, pelo que se instituiu heparina em perfusão; na sequência deste
quadro verificou-se paragem cardio-respiratória em assistolia, sem resposta às manobras de reanimação.
DISCUSSÃO: A CRE é mais frequente no subtipo difuso e associada
ao anti-Scl-70. Caracteriza-se pelo início abrupto de hipertensão grave
e insuficiência renal oligúrica rapidamente progressiva, geralmente com hiper-reninemia.
Pode acompanhar-se de anemia hemolítica microangiopática semelhante à síndrome hemolítico-urémica.
A terapêutica com inibidores do enzima de conversão da angiotensina
(IECA) melhorou a sobrevida e o prognóstico, reduziu a necessidade de diálise,
permitindo, em alguns casos, a suspensão da terapêutica dialítica.
A presença de polisserosite e de tromboses venosas profundas de repetição suscitou dúvidas sobre a coexistência de overlap syndrome / vasculite renal. A corticoterapia parece estar associada à precipitação de crise renal de esclerodermia.
A CRE tem sido descrita associada ao aparecimento de hipertensão
pulmonar concomitante. Alguns autores colocam a hipótese de haver uma
fisiopatolologia comum, nomeadamente a coexistência de microangiopatia
trombótica renal e pulmonar com disfunção miocárdica.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Referências

Villas AP et al. Esclerose sistémica – perspectivas actuais. Medicina Interna 2002; 9(2): 111-120.

Steen VD. Treatment of systemic sclerosis. Am J Clin Dermatol. 2001; 2(5): 315-325.

Pla VF et al. Esclerosis sistémica in Ramos-Casals M., Enfermedades autoinmunes sistémicas y reumatológicas, 1ª ed Masson Barcelona 2005: 117-124.

Bonnet F et al. La crise rénale sclérodermique, sept observations et revue de la littérature. Ann Med Interne 1998; 149(5): 243-250.

Steen VD et al. Scleroderma renal crisis. Rheum Dis Clin N Am 2003; 29: 315-333.

Cheung WY et al. Late recurrence of scleroderma renal crisis in a renal transplant recipient despite angiotensin II blockade. Am J Kidney Dis 2005; 45(5): 930-934.

Jego C et al. Apparition d’une crise rénale sclerodermique à l’arrêt d’un traitment par losartan. Rev Med Interne 2003; 24: 272-273.

Kohno K et al. A case of normotensive scleroderma renal crisis after high-dose methylprednisolone treatment. Clinical Nephrology 2000; 53(6): 479-482.

Szigeti N et al. Fatal scleroderma renal crisis caused by gastrointestinal bleeding in a patient with scleroderma, Sjögren’s syndrome and primary billiar cirrhosis overlap. JEADV 2002; 16; 276-279.

Mpofu S et al. An unusual cause of acute renal failure in systemic sclerosis. Ann Rheum Dis 2003; 62: 1133-1134.

Bar J et al. Pulmonary-renal syndrome in systemic sclerosis. Seminars in Arthritis and Rheumatism 2001; 30(6): 403-410.

Gündüz OH et al. Systemic sclerosis with renal crisis and pulmonary hypertension, a report of eleven cases. Arthritis Rheum 2001; 44(7): 1663-1666.

Greenberg SA et al. Inflammatory myopathy associated with mixed connective tissue disease and scleroderma renal crisis. Muscle Nerve 2001; 24: 1562-1566.

Villaverde M et al. Normotensive scleroderma renal crisis. Medicina (B. Aires) 2003; 63(1): 49-50.

Nanke Y et al. Progressive appearance of overlap syndrome together with autoantibodies in a patient with fatal thrombotic microangiopathy. Am J Med Sci 2000; 320(5): 348-351.

Omote A et al. Myeloperoxidase-specific anti-neutrophil cytoplasmic autoantibodies-related scleroderma renal crisis treated with double

filtration plasmapheresis. Internal Medicine 1997; 36:508-513.

Martinez Ara J et al. Progressive systemic sclerosis associated with antimyeloperoxidase ANCA vasculitis with renal and cutaneous involvement. Nefrologia 2000; 20(4): 383-386.

Katrib A et al. Systemic sclerosis and antineutrophil cytoplasmic autoantibody associated renal failure. Rheumatol Int. 1999; 19(1-2): 61-63.

Anders HJ et al. MPO-ANCA-Positive crescentic glomerulonephritis: a distinct entity of scleroderma renal disease? Am J Kidney Dis. 1999; 33(4):e3.

Steen VD et al. Long-term outcomes of scleroderma renal crisis. Ann Intern med 2000; 133(8): 600-603.

Dziadzio M et al. Losartan theraphy for Raynaud’s phenomenon and scleroderma. Arthritis Rheum 1999; 42: 2646-2655.

Kawaguchi Y et al. Angiotensin II in the lesional skin of systemic sclerosis contributes to tissue fibrosis via angiotensina II type 1 receptors. Arthritis Rheum 2004; 50: 216-226.

Caskey FJ et al. Failure of losartan to control blood pressure in scleroderma renal crisis. Lancet 1997; 349: 60.

Gibney EM et al. Kidney transplantation for systemic sclerosis improves survival and may modulate disease activity. Am J Transplant 2004; 4: 2027-2031.

Pham PTT et al. Predictors and risk factors for recurrent scleroderma renal crisis in the kidney allograft: case report and review of the literature. Am J Transplant 2005; 5: 2565-2569.

Denton CP et al. Systemic sclerosis, scleroderma in Rose NR, The Autoimmune Diseases, 4ª ed Elsevier Baltimore 2006: 369-379

Ficheiros Adicionais

Publicado

30-06-2009

Como Citar

1.
Matos-Costa J, Jorge SC, Barbas J, Prata MM, Rodrigues N. Esclerose sistémica difusa com envolvimento pulmonar e crise renal: a propósito de um caso clínico raro. RPMI [Internet]. 30 de Junho de 2009 [citado 4 de Maio de 2024];16(2):98-105. Disponível em: https://revista.spmi.pt/index.php/rpmi/article/view/1397

Edição

Secção

Casos Clínicos

Artigos mais lidos do(s) mesmo(s) autor(es)