Toxicodependentes internados numa enfermaria de Medicina Interna: Relato de uma experiência

Autores

  • João Gonçalves Pereira Serviço de Medicina Interna do Hospital de São José, Lisboa
  • Margarida Bentes de Jesus Serviço de Medicina Interna do Hospital de São José, Lisboa

Palavras-chave:

Toxicodependência, Medicina Interna, enfermaria medicina, infecção, VIH

Resumo

Contexto: Nos últimos anos tem-se verificado um aumento da patologia médica associada à
toxicodependência, em particular infecciosa, condicionando internamento hospitalar.
O próprio internamento, por seu lado, é muitas vezes complicado por problemas directamente associados ao estado de dependência física e psíquica, nomeadamente síndrome de
abstinência, comportamento indisciplinado e alta precoce por abandono.
Os autores pretenderam caracterizar o impacto desta população numa enfermaria de
Medicina Interna durante um ano (1998).
Métodos: Foram revistos todos os processos
dos doentes internados durante o ano de 1998
numa enfermaria de Medicina Interna. Foram
identificados dois grupos: o primeiro constituído por todos os toxicodependentes (definido
como doentes com consumo activo de substâncias ilícitas na altura da admissão hospitalar
- grupo TD); o segundo pela restante população internada (grupo controlo).
Foram identificados para todos os doentes:
motivos do internamento, duração do mesmo,
e mortalidade; dados demográficos (sexo e
idade); todos os episódios infecciosos (na admissão e nosocomiais) e serologias positivas
para os vírus da imunodeficiência humana, hepatite B e hepatite C.
No grupo TD foram ainda caracterizados os
hábitos de consumo e as complicações do mesmo em internamento (em particular síndrome
de privação).
Resultados: Foram identificados 80 toxicodependentes (5,8% do total de internamentos): 50
homens (7,1 %) e 30 mulheres (4,5%). A idade
média no grupo TD foi de 31 anos (no grupo controlo foi de 68,5 anos).
Em 70% do grupo TD foi identificada serologia
positiva para o VIH e em 48,7% para o VHC (no
grupo controlo essa prevalência foi de 2,4% e
1,2%, respectivamente). A mortalidade foi de
11,3% e de 12,7 % respectivamente nos grupos
TD e controlo, sendo a demora média de 18,7 e de 16,0 dias.
Foram identificados 46 casos de tuberculose
(18,8% em doentes TD e 2,4 % nos restantes), 293 de pneumonia (28,7% e 21%) e 54 casos de
infecção dos tecidos moles (27,5% e 1,5% respectivamente). Só foram identificados 4 casos de
endocardite (2 em cada grupo) e 6 de hepatite aguda (todos no grupo TD).
No grupo TD verificaram-se 33 casos de síndrome de privação (41,3%). 16 das altas (20%)
foram precoces; destes doentes, 4 tinham diagnóstico de tuberculose.
Desta população 10 doentes (12,5%) eram sem
abrigo (9 homens, 1 mulher) e 66 (82,5%) eram
consumidores de drogas endovenosas.
Conclusões: No ano de 1998 os doentes toxicodependentes constituíram uma percentagem
significativa da população internada, tendo
tido demora média e mortalidade semelhantes
às da restante população, embora fossem significativamente mais jovens.
A maioria foi internada por patologia infecciosa, sendo de assinalar a alta prevalência de
tuberculose e de infecção pelo VIH e VHC.
É igualmente relevante o elevado número de
altas precoces nesta população, algumas das
quais de doentes com patologia potencialmente contagiosa.

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Ficheiros Adicionais

Publicado

30-06-2004

Como Citar

1.
Gonçalves Pereira J, Bentes de Jesus M. Toxicodependentes internados numa enfermaria de Medicina Interna: Relato de uma experiência. RPMI [Internet]. 30 de Junho de 2004 [citado 27 de Junho de 2024];11(2):75-81. Disponível em: https://revista.spmi.pt/index.php/rpmi/article/view/1744

Edição

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